Em Adolescência, a forma é mais impactante do que o conteúdo

Foto/Divulgação.

Plano-sequência é um negócio muitíssimo atraente não necessariamente para todos, mas, com certeza, para um grande número de cinéfilos. Estou entre eles.

Qual o seu plano-sequência favorito? Se me fosse pedido para escolher um, apenas um plano-sequência, seria aquele do desfecho de Passageiro: Profissão Repórter, filme extraordinário que Michelangelo Antonioni realizou em 1975.

Passageiro: Profissão Repórter é com Jack Nicholson e Maria Schneider, que se projetara em 1972 ao contracenar com Marlon Brando em Último Tango em Paris.

Há outro plano-sequência estupendo na história do cinema: o de A Marca da Maldade, que Orson Welles realizou em 1958. Se o de Michelangelo Antonioni fecha, o de Orson Welles abre o filme. Dura pouquíssimos minutos. É tão breve quanto perfeito.

O plano-sequência de A Marca da Maldade apresenta, como se fosse casualmente, o casal de protagonistas do filme, Charlton Heston e Janet Leigh.

O Jogador (1992), de Robert Altman, também começa com um plano-sequência. Se passa num estúdio de cinema e dura o tempo dos créditos de apresentação.

O plano-sequência de O Jogador tem menos de 10 minutos. O de Gravidade (Alfonso Cuarón, 2013) se estende por quase 20 minutos, também no começo do filme.

Alfred Hitchcock não fez um plano-sequência. Radicalizou a coisa. Fez um filme inteiro em plano-sequência. É o fabuloso Festim Diabólico, de 1948.

Os rolos de filme não comportavam película suficiente, e Hitchcock teve que lançar mão de pequenos truques para dar a impressão de que, em Festim Diabólico, o plano-sequência ia realmente da primeira à última imagem do filme.

O mesmo – esses pequenos truques – ocorreu com 1917, que Sam Mendes realizou em 2019. 1917 é cinema. Diferente de Festim Diabólico, que obviamente é cinema, mas também é teatro filmado. Rope, o original, é um texto teatral.

Saber que Adolescência foi todo realizado em plano-sequência foi o que de fato chamou minha atenção para essa minissérie da Netflix em quatro episódios.

Adolescência é uma produção britânica dirigida por Philip Barantini. Começa e se desenvolve a partir da prisão de Jamie, um adolescente de 13 anos que, na noite anterior, teria matado a facadas uma garota da sua idade, colega de escola.

Não há truques. Cada episódio – eles têm entre 50 e 60 minutos – é um plano-sequência. O primeiro narra a prisão do menino e o acompanha até o interrogatório.

O segundo episódio mostra os responsáveis pela investigação na escola onde Jamie estuda. O terceiro é uma longa sessão de terapia. E o quarto se passa no dia em que Eddie, o pai de Jamie, está completando 50 anos.

Quem faz Eddie é o ator britânico Stephen Graham, de quem partiu a ideia da minissérie. Jamie é Owen Cooper, um adolescente de 15 anos em sua primeira atuação.

Se fizermos uma comparação, Festim Diabólico é relativamente simples porque se passa em um único ambiente. O pequeno elenco está todo dentro de um apartamento.

Em Adolescência, há muitos personagens e um grande número de figurantes – dezenas – no episódio ambientado na escola onde Jamie estuda.

Num outro extremo, o terceiro episódio é todo dentro de uma sala. Resume-se a uma sessão de terapia entre Jamie e a sua psicóloga.

Jamie é o personagem principal de Adolescência, mas ele não aparece no segundo nem no terceiro episódio. Neste, ouve-se sua voz numa ligação telefônica.

Diálogo entre pais e filhos, garotos e garotas e os riscos que correm no mundo dominado pelo digital, adolescentes transformados em celibatários involuntários, bullying – está todo mundo falando sobre como essas questões aparecem em Adolescência.

A abordagem é forte, o elenco é incrível, e é a atualidade desses temas que transformou Adolescência num sucesso imediato e levou milhões de pessoas à minissérie.

Para a maioria dos espectadores de Adolescência, o fundo se sobrepõe à forma. Com meu olhar de cinéfilo, confesso que é a forma que se sobrepõe ao fundo.

Adolescência usa o recurso do plano-sequência com uma destreza admirável. Seja no claustrofóbico episódio da terapia, seja naquele ambientado na escola – muito provavelmente, o mais complexo do ponto de vista da execução.

E é justamente o segundo episódio que nos reserva um dos momentos mais tocantes de Adolescência: com a câmera colocada num drone, o sobrevoo que começa com a saída dos estudantes da escola e termina no local onde a menina foi morta.

Enquanto “voamos” em direção à cena do crime, um coral de vozes infantis nos envolve com uma bela canção. É Fragile, que Sting compôs e gravou nos anos 1980.

“Como lágrimas de uma estrela/Incessantemente a chuva dirá/O quão somos frágeis” – dizem os versos finais da canção de Sting. Enquanto vemos o pai do acusado depositar flores no canto em que se deu o crime.