Cristina Buarque era uma guardiã do samba

Foto/Reprodução/Contigo.

Ela cantava assim: “Vem, meu menino vadio/Vem, sem mentir pra você/Vem, mas vem sem fantasia/Que da noite pro dia/Você não vai crescer…”.

Ele cantava assim: “Ah, eu quero te dizer/Que o instante de te ver/Custou tanto penar/Não vou me arrepender…”.

Ela era Cristina, 18 anos incompletos. Ele era Chico Buarque, 24 anos, seu irmão ainda muito jovem, mas já uma celebridade na música popular brasileira.

O ano era 1968. O disco, o terceiro e último LP de Chico Buarque na RGE, sua primeira gravadora. A música, chamada Sem Fantasia, ele fez para a peça Roda Viva.

Sem Fantasia é uma das mais belas canções de Chico Buarque. Ele e Maria Bethânia regravaram a música naquele álbum ao vivo de 1975.

Em 2022/23, o dueto de Sem Fantasia era um dos momentos mais emocionantes da turnê que Chico Buarque fez tendo Mônica Salmaso como convidada.

Sem Fantasia com Chico Buarque e Maria Bethânia tem – por causa de Bethânia – uma força dramática que não há no registro original do disco de 1968.

Na gravação de 1968, há uma contenção nas vozes de Chico e de Cristina, mas já estava claro – e o tempo confirmaria – que tínhamos ali um grande momento do compositor.

Sem Fantasia é a primeira lembrança que tenho de Cristina. E foi do que me recordei quando soube da sua morte, aos 74 anos, neste domingo de Páscoa de 2025.

Por muitos anos, Cristina foi só Cristina. O Buarque do irmão famoso, ela só incorporou ao seu nome artístico bem mais tarde, quando nem precisava mais.

Cristina teve uma carreira discretíssima, como ela parecia ser. Seu único grande sucesso popular, no início dos anos 1970, foi o samba Quantas Lágrimas.

Bastidores, Chico compôs para ela, mas Cauby Peixoto gravou, e o que ele fez com a música é tão extraordinário que pensamos ser Cauby, e não Chico, o autor.

Vi Cristina ao vivo no Projeto Pixinguinha de 1979. No Cine Santo Antônio, por cinco noites, ela dividiu o palco com o Época de Ouro, o conjunto de Jacob do Bandolim.

Também vi Cristina num show em que o seu papel não era de protagonista. Dessa vez, ela fazia backing vocal na banda de Paulinho da Viola.

O negócio de Cristina era o samba. A tradição do samba, as rodas de samba do Rio de Janeiro, os grandes autores que infelizmente ficam na sombra. Foi a eles e ao ambiente deles que Cristina se dedicou ao longo de sua carreira.

Ao saber da morte, a compositora Joyce Moreno foi às redes sociais e fez justiça a Cristina ao dizer que o samba perdeu sua guardiã.