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obra parada reforça importância do controle social

Obra de creche em situação de abandono, em Bayeux, região metropolitana de João Pessoa. Felipe Nunes

O abandono da obra de uma creche na cidade de Bayeux, na região metropolitana de João Pessoa, é símbolo de como a ineficiência na aplicação de verbas pode ser danosa para a população. O fato expõe a necessidade do controle social sobre o uso dos recursos públicos.

O prédio em construção fica no bairro Jardim São Vicente, uma das comunidades mais carentes da cidade. A obra inicialmente trouxe esperança, mas após uma década de espera, tornou-se sinônimo de desilusão, num cenário de pouca cobrança e descrença com o poder público.

O projeto foi estimado em R$ 1,2 milhões, mas somente R$ 170 mil foram pagos e a construção parou em 16% de execução.

A população não aproveitou qualquer benefício desse investimento. Pelo contrário: há muitos transtornos. O lugar está cheio de lixo, em completo abandono e servindo de abrigo para porcos e outros animais que circulam pelo bairro.

A obra deveria nos servir, mas o que seria um prédio para fins de acolhimento das crianças, serve hoje como ambiente para uso de drogas e depósito de lixo, disse Cibele Santos, moradora da comunidade.

  • Creche abandonada vira palco para lixo, circulação de animais e consumo de drogas | Foto: Felipe Nunes
  • Creche abandonada vira palco para lixo, circulação de animais e consumo de drogas | Foto: Felipe Nunes
  • Creche abandonada vira palco para lixo, circulação de animais e consumo de drogas | Foto: TV Cabo Branco

Ferramentas de controle social indicam que a obra inacabada está situada num contexto de negligência maior com a educação, evidenciando a gravidade do problema.

Plataformas do Tribunal de Contas do Estado (TCE) mostram que a cidade descumpre metas educacionais. Segundo o ‘Portal Primeira Infância’, Bayeux está inserida no grupo de 1/3 das piores do Brasil no índice de crianças frequentando creches.

Plataforma do TCE-PB coloca Bayeux entre 1/3 dos municípios com pior marca no atendimento em creches. Felipe Nunes

A ferramenta de acompanhamento público indica que menos de 22% das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas no município. O percentual está abaixo da meta de 50% para essa faixa etária.

Nesse contexto, algumas vozes começam a se levantar, a exemplo da moradora Cibele.

A creche foi dinheiro público investido, mas está abandonada enquanto nossa comunidade deixa os filhos com parentes ou precisa pagar a alguém para cuidar deles, lembra.

Cibele Santos, moradora da comunidade São Vicente, em Bayeux.

Acompanhamento de obras

Iniciativas locais e regionais são importantes para o avanço do controle social de gastos, incluindo de obras. Na Paraíba, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PB) dispõe de uma série de ferramentas consideradas pioneiras nessa vigilância, além daquela mencionada anteriormente.

Um dos exemplos é o GEO-PB, ferramenta de georreferenciamento que mostra obras em execução, custos de projetos, recursos aplicados e a situação real desses empreendimentos. A plataforma fornece um panorama completo das obras, incluindo até imagens feitas por drones.

Enquanto há um prédio abandonado no bairro São Vicente, o GEO-PB mostra que Bayeux executa a construção de outras duas creches, sendo uma no bairro do São Bento, e outra no bairro do Baralho. Localidades marcadas pela necessidade de políticas públicas eficientes.

  • GEO-PB mostra situação de creche em construção no bairro São Bento, em Bayeux. | Foto: Ferramenta de Georreferenciamento do TCE-PB
  • Imagens de Georreferenciamento mostram local onde está sendo construída creche na região metropolitana de João Pessoa | Foto: Ferramenta de Georreferenciamento do TCE-PB

No caso do São Bento, a obra deveria ter sido entregue em maio, segundo divulgação anterior. Mas a prefeitura garante que a conclusão será em breve, dentro de 45 dias. O valor do projeto ficou em R$ 1.852.771,45.

A outra obra, em execução no bairro do Baralho, tinha previsão de ser entregue oficialmente no próximo mês de novembro, mas a prefeitura já adiantou que a conclusão será em 2026. O projeto está orçado em R$ 1.151.187,25.

Mais acessos, mais vigilância

As disparidades do gasto público também podem ser acompanhadas pelo Observatório Sagres, ferramenta do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB). Por lá, é possível acompanhar como os municípios aplicam seus recursos, incluindo despesas com obras, saúde, educação e pessoal.

Em Bayeux, os dados revelam um forte desequilíbrio: a maior parte do orçamento tem sido direcionada para gastos com pessoal, enquanto investimentos em infraestrutura, como a construção de creches, seguem limitados.

Muito embora as ferramentas sejam abertas para a população, há barreiras quanto ao interesse por essas informações. Mas o TCE-PB tem buscado estimular a participação do público.

Dados obtidos pelo Jornal da Paraíba mostram que, até maio de 2025, o Sagres já havia obtido mais de 213 mil acessos online, um número bem maior do que os 138 mil acessos de 2024, e quase o triplo do que foi registrado no ano anterior.

O crescimento nos acessos demonstra um aumento no interesse da população pelo controle social, mas os desafios ainda são grandes. “O tribunal tem investido muito no desenvolvimento de ferramentas que possibilitem o exercício pleno do Controle social”, disse o presidente da Corte, conselheiro Fábio Nogueira. (Veja na entrevista a seguir)

Responsável pelo setor de Tecnologia do TCE-PB, o servidor Edwilson Fernandes explicou que novas tecnologias deverão possibilitar, em breve, o aumento do controle social sobre as licitações de obras públicas. “São ferramentas que exigem manutenções corretivas e evolutivas, e esse aprimoramento ocorre ao longo de todo o ano, com foco no controle social”, explicou.

Transparência além das fronteiras locais

As iniciativas que buscam a transparência ocorrem tanto no âmbito local quanto na esfera nacional. A Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, em parceria com a Associação Comercial de São Paulo, lançou, no mês de abril, a plataforma ‘Gasto Brasil’.

A ferramenta abrange os gastos dos três níveis do governo. O foco é promover a discussão sobre a forma de aplicação dos recursos públicos, além de levar a informação para pessoas de todas as camadas sociais – até para “as mais simples”, segundo os criadores da plataforma.

A ideia se sustenta nos pilares da educação fiscal e da transparência. “A finalidade maior é demonstrar quanto os governos estão gastando com nossos recursos arrecadados, além de dar mais transparência aos contribuintes”, disse o coordenador do programa, Cláudio Queiroz, em entrevista ao Jornal da Paraíba. (Veja na íntegra mais abaixo).

Seguindo com a cidade de Bayeux como referência, o Gasto Brasil aponta que, até dezembro de 2024, a administração local só havia investido cerca de R$ 10 milhões em obras, enquanto que as despesas com pessoal e encargos ultrapassavam a marca de R$ 195 milhões. Por isso, a obra inacabada da creche é reflexo de uma falta de equilíbrio. A ‘ponta do iceberg’ de uma administração há algum tempo adoecida.

De acordo com Cláudio, ao reunir dados acessíveis sobre a execução orçamentária dos governos, a ferramenta se propõe a cumprir um papel educativo, permitindo que o cidadão compreenda melhor para onde vai o dinheiro arrecadado, buscando ampliar a consciência da população sobre a importância do controle social. “É como se fosse um orçamento doméstico. A conta tem que fechar. Nós estamos deixando uma enorme dívida para nossos netos e bisnetos”, disse.

Preocupação deve ir além

Ao Jornal da Paraíba, o economista e ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, disse que a preocupação com o gasto público e a eficiência deve ir além da criação de plataformas de monitoramento. É preciso pensar em reformas estruturais e na conscientização coletiva sobre os gastos, de forma pedagógica.

Segundo ele, o crescimento sustentável será possível com educação pública de qualidade em todos os níveis de governo, infraestrutura adequada e segurança jurídica.

“Os gastos do governo têm funções de Estado, de funcionar a máquina administrativa, os programas sociais, os programas de desenvolvimento. E o Orçamento é a principal lei econômica de qualquer país. É nela que se definem as prioridades, lembrou o ex-ministro em declaração exclusiva ao Jornal da Paraíba. Para assistir à declaração, clique aqui.

As premissas da eficiência e da responsabilidade também são essenciais quando o assunto são obras da educação pública.

Para a moradora Cibele, resta a esperança de que, a partir da conscientização da população, a cobrança possa aumentar e a creche inacabada em Bayeux, enfim, possa cumprir o papel para o qual foi pensada: beneficiar a comunidade e o futuro de tantas crianças.

“Uma obra abandonada é dinheiro público jogado no lixo, e concordo que as pessoas precisam cobrar. Não podemos ver a educação de uma cidade se degradar sem ninguém se posicionar”, disse.

Obra será retomada, afirma prefeitura

A Prefeitura de Bayeux afirmou, em nota assinada pelo secretário Tiago Bernardino, que a educação infantil é prioridade da atual gestão e que a administração retomou obras que estavam paradas há anos.

Em relação à creche do bairro do bairro São Vicente, informou que a repactuação foi aprovada junto ao FNDE e que o projeto executivo está em fase final, o que permitirá o avanço do processo licitatório.

Também citou a construção de creches nos bairros São Bento e Baralho. Sobre a primeira, deve ser entregue em até 45 dias, segundo a prefeitura. Já a unidade do Baralho tem entrega prevista para fevereiro de 2026.

Ainda na nota, há a informação sobre a proposta de nova creche no bairro Comercial Norte.

Fortalecendo o controle social

Para que a história da creche abandonada em Bayeux e de tantas outras políticas públicas ausentes tenham um novo capítulo, é importante o fortalecimento do controle social. Por meio dele, cada cidadão pode fiscalizar e cobrar a aplicação correta dos recursos públicos.

Ferramentas como o GEO-PB (https://geopb.tce.pb.gov.br/), o Observatório Sagres (tce.pb.gov.br/sagres) e o Gasto Brasil(https://gastobrasil.com.br/) permitem a busca pela transparência e a cobrança embasada por eficiência na execução dos recursos públicos.

São ações no presente com potencial para a garantia de um futuro digno para as próximas gerações.

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